11.7.09

Chorinho.

Tenho vontade de chorar, mas não consigo.
Aos teus olhos, este sofrer não me torna digno.
Este aperto no peito tão cedo não vai passar.
E meu pequeno amor não vai se concretizar.

Tenho estes sonhos e desejos de toda uma vida.
Colhidos e cultivados em cada porto, a cada partida.
Nascidos das dores que tive pelo caminho.
Acreditei que você me traria alívio.

Tenho, mais uma vez, um porto a abandonar.
Lembranças eu deixo para nova dor abraçar.
Novamente, em meu barco, sigo meio sem rumo.
Sem capitão, sem correnteza, sem vento, sem destino.

Tenho vontade de chorar, mas não consigo.
Minhas lágrimas secaram por tudo que foi vivido.
Meu barco, entre rochedos, segue navegando.
As lágrimas que um dia tive formam este oceano.

Tenho medo de navegar e medo maior de naufragar.
Cedo ou tarde, em mar revolto, meu barco vai afundar.
Sozinho, sem poder nadar, com as dores a me pesar.
Engolido pelo oceano, finalmente vou poder chorar.

23.2.08

A Cura

Eu tenho uma nostalgia congênita. Eu não sei do quê, não sei como e principalmente o porquê, mas há um constante sentimento de perda e saudade que me toma muitas vezes. Impossível não lembrar da letra de Índios, da Legião Urbana, que diz "...(n)essa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi". É a perfeita síntese.

Há algum tempo fiz uma viagem para Friburgo, uma cidade ótima na região serrana do Rio. Não fiquei 24 horas no lugar, mas ainda assim foi uma ótima viagem. O importante pra mim foi perceber que, se houvesse uma oportunidade, eu largaria tudo para viver lá. Não importando as diferenças óbvias entre a megalópole que é o Rio e a pequena cidade que é Friburgo. Na verdade, essas diferenças seriam os fatores decisivos. Acho que minha alma é medieval, alternando entre a Idade Média e o Renascimento.

Eu fui apenas duas vezes a Friburgo. Passei um final de semana há uns anos e mais recentemente fiquei menos de 12 horas lá. Ainda assim eu sinto saudades do lugar. Na verdade sinto saudades de tudo que me faça querer "não estar aqui". Eu quero tudo aquilo que eu não tenho... não para ter ou por ter, mas porque eu não quero nunca me sentir completo ou chegar ao fim de nada. A graça está no caminho, não no destino. O destino é um beco sem saída que traz uma felicidade estéril e decadente. Estagna e apodrece. Ainda na adolescência, no auge das crises existenciais, me defini como alguém que só está feliz quando está triste... resta saber se isso foi uma constatação ou um objetivo a ser alcançado.

O momento da "revelação" veio ao retornar ao Rio (desta última viagem a Friburgo). Já era noite e eu estava sentado à janela, olhando o céu mais estrelado pela escuridão da estrada. Esse é o tipo de coisa que me faz um bem sem igual, da mesma forma como contemplar a chuva caindo. Me pego pensando em todos os "e se..." da minha vida. Não sei como expressar a sensação que tive. O mais próximo que posso imaginar é o sentimento amargo, mas agradável, vindo das músicas das melhores bandas depressivas do final dos anos 70, início dos 80. Por isso o título desta postagem.

15.8.06

Vide Bula

"Tomar somente sob prescrição médica..."

Há, certamente, um longa distância entre sentir-se diferente e sê-lo. Eu me sinto único, diferente, "especial", com todos os ônus e bônus. Mas até aí todos também o são, logo ser diferente me faz ser igual. Então por que ser igual a todos causa tanta estranheza? Será que sou eu quem tanto se engana ou sou eu quem tanto é honesto consigo mesmo?

A verdade é que a resposta não importa. Não muda o fato de que nenhum dos meus amigos compreende o porquê das minhas atitudes, por mais que me conheçam, por mais que eu tente explicar. E como eu não sou bem articulado, vim pra esse espaço tentar organizar as idéias e me fazer entender... para os outros e, principalmente, para mim.

Essa nova crise comportamental surgiu junto ao desfecho de mais um começo de envolvimento sentimental. Em conversa com amigo (posteriormente amigos), fui severamente criticado no que tange as minhas razões, e isso vem se alongando por mais de duas semanas e cada vez mais, após essas conversas sempre viscerais, saio delas mais convencido de minha unicabilidade... pois sou, além de um outro conhecido, a segunda pessoa que acredita ser possível um relacionamento onde sexo não seja peça fundamental.

Para entender a coisa... um mini-flashback. Era uma vez uma criança cuja possibilidade de ser autista foi cogitada pelos pais. Essa criança cresceu num ambiente permeado de cenas descartáveis de um relacionamento sem razão de ser, onde além de tudo o pai era ausente, a mãe dominadora, a educação repressiva e a homossexualidade já começava a preencher seus pensamentos. Sua adolescência foi estéril de relacionamentos devido a certeza de que a melhor solução era não ter uma vida sentimental do que ter que tomar uma decisão definitiva sobre qualquer coisa. Assim ela formou sua personalidade: esquiva, sem auto-estima, sem vaidade, condicionado a evitar a possibilidade de qualquer interesse externo e outras blindagens ainda a serem descobertas.

Com tantas defesas, natural que só deixasse se aproximar de mim pessoas com as quais eu me sentisse confortável e que me passassem confiança. Situação essa que só vem, para mim, com intimidade. Não intimidade de nudez, do que acontece entre quatro paredes, de saber preferências e quantidades ou rotatividades... intimidade de interesses (mesmo antagônicos), de papo, de se mostrar ser algo além do que um receptáculo para testosterona e espermatozóides, seja para algo sério ou não, porque eu não sou esse pudor de pessoa que quase foi pintada anteriormente.

Apesar da minha relação com o sexo ser da "não necessidade", sou tão capaz de sexo no primeiro encontro quanto de namoro sem transar. E não vejo problema algum nisso... Você vê?

14.8.06

Da série...


Previously on Dave's Wasteland: Dave vivia de
cinema, DVDs e tv aberta. Seu interesse por teatro sempre foi escasso,
preguiçoso. Até aquele sábado...

E lá fui eu. Convidado por um amigo, compro um ingresso (entrada, convite, bilhete, whatever) para assistir a "Avenida Dropsie", espetáculo inspirado nas graphic novels de Will Eisner, falecido quadrinista de importância única para o ramo.
A perspectiva era promissora. Um peça interessante, um after apimentado e muitos amigos para uma diversão sem igual. Isso se tudo tivesse ocorrido como deveria ser.
Eu já odiava futebol. Agora odeio muito mais. Eu já não me interessava por teatro. Agora atearei fogo a todos aos quais me aproximar. Não sei se houve jogo, mas havia um pequeno engarrafamento
do Maracanã à Praça da Bandeira e um desfile de flamenguistas pelas calçadas. Isso me fez chegar 10 minutos atrasado ao teatro e levar com a porta, literalmente na cara:
- Oi, eu vim pra ver a peça "Avenida Dropsie".
- Desculpe, mas não é mais permitido entrar.
- Como assim "não é"?
- Não é.
*blam!* (som da porta fechando)
Possuído por Hera eu rasguei o bilhete na frente do segurança e tive medo do meu reflexo na porta de vidro. Peguei a primeira corrente de vento cheio de raiva e vergonha e fui embora... No caminho dou de cara com o Cine Ideal, ainda aguardando os fiéis para a missa de todo fim de semana e me desvio, ainda na calçada, quando vejo um carro se aproximar reduzindo a velocidade...
Um senhor de cara larga e expressão invocada com um cavanhaque de pêlos brancos põe sua cabeça pra fora do carro e diz, da forma mais inacreditável possível: "gostoso!".
Depois disso eu ouvi Deus rindo e percebi que deveria voltar para casa.

Morte EM vida, Severina!

Eu estive fragmentado.

Eu me senti morto.

Eu renasci.

Eu me vejo como a soma das partes que deixo para trás. Partes essas que me definem por não representarem mais o que eu sou. Ao mesmo tempo que não as tenho, estão (e estarão) sempre presentes. Um paralelo interessante, e pomposo, seria através de um diamante, cuja beleza só é dada quando suas parte lhe são extirpadas.

Eu preciso sempre me desapegar. Para então me apegar novamente. Seja às partes que tanto desejo me livrar quanto às coisas novas. Para manter meu interesse. A perspectiva de algo linear me cansa. Certa vez me vi pensando que só sou feliz quando tenho problemas.

Apenas escrevo isso na tentativa de justificar a mim mesmo a mudança de blog. O anterior continua lá, longe, mas presente.

Coincidentemente, ou não, no momento em que desabafo sobre minhas perdas e ganhos, assisto a "As Horas" na Rede Globo. São exatamente 01:50 de 14/8/2006.